- Sullivan. Você sabe que eu tenho um jeito muito fácil de matá-lo e ser bem recompensado? – ele estava zombando enquanto seus braços e pernas iam ficando negros. – Nem pude me apresentar. – ele deu uma risada demoníaca. – Mas vou lhe dizer, já que está prestes a morrer.
Ele olhava para Hardrik com o olhar maníaco de antes. Ele se espantou em ver que o garoto sombra olhava diretamente em seus olhos, por trás das lentes escuras. Sua mão estava agarrada ao pescoço de Hardrik e apertava com muita força e não estava mais agüentando. Ofegava e tentava gritar, mas ninguém o veria. Ele não queria tirar seus óculos; não queria machucar as pessoas. Mas aquele garoto estava passando dos limites.
- Bem Sullivan – o garoto começou tranquilamente -, me chamo Shadow, um fadar que nem você.
Fadar... Fadar... Que nome mais estranho, Hardrik pensou. O outro estava sorrindo distraídamente; era o momento certo para Hardrik agir.
Suas pernas estavam livres, e Shadow, estava parado bem a sua frente com as mãos segurando seu pescoço. Com um forte balanço, Hardrik reuniu uma força em sua perna direita e com um chute, lançou Shadow contra a parede à frente. Hardrik caiu no chão gélido do corredor e levantou-se logo
Shadow sorria vitorioso. Hardrik estava pronto para “lutar” embora não soubesse nem o que estaria fazendo. Apenas colocou seus punhos à frente. Era só lembrar das aulas de esgrima que tem com seu pai, ele pensou. Sabia muito bem que ninguém viria ajudá-lo. Somente agora ele tinha recordado do pequeno objeto que ele ganhara hoje cedo. A corrente em seu pescoço estava coberta da essência preta, que escorria pelo seu peito. Com um solavanco ele sentiu como se o vento o tivesse jogado contra a parede mais uma vez, ficando preso nela. Como se estivesse grudado contra ela. Shadow aproximou-se de Hardrik ainda sorrindo e ficaram frente a frente – o nariz do garoto a uns quinze centímetros do seu -, e colocou sua mão esquerda sobre a cabeça de Hardrik; não havia como gritar, pensou ele, ninguém viria.
- Estou cansado sabe Sullivan – Shadow fingiu um bocejo. – Vou acabar com isso agora, mas antes tenho que fazer o que me foi pedido.
Ele fez uma pausa. Talvez para apreciar o momento de vitória, pensou Hardrik irritado. Mas ele nada disse; continuou preso naquela parede esperando o seu destino.
- A vida de um fadar é meio chata sabe – Shadow continuou. – Leva-se muito tempo para a pessoa poder controlar seus dons e aprender a usá-los é muito complicado. É até capaz... de matar.
- O que você ta falando seu desgraçado! – Hardrik gritou, fazendo com que sua voz ecoasse pelos corredores.
Shadow mais uma vez sorriu.
- Nossa, você realmente é muito chato. Não sei por que aceitei quando ela me mandou fazer o serviço. Contudo vou ter que apagar essas lembranças falsas que seu papai imundo colocou em sua mente.
- Mas o quê...?
Tarde demais. A mão que segurava a cabeça de Hardrik tornou-se mais forte e parecia estar entrando no cérebro do garoto, viajando por lembranças que nem mesmo Hardrik se lembrava.Tinha seis anos, ele e seu irmão estavam jogando futebol nos jardins da propriedade; nove anos e ele estava em uma sala ampla,onde um homem discutia com seu pai e brigavam; treze anos, ele estava trancado no sótão berrando e arranhando as paredes e portas. Muitas outras imagens de seu passado passavam como se um telão tivesse sido colocado em sua frente. Ele gritava e se debatia; queria que aquilo parasse... AGORA!
- CHEGA! PÁRA! – Hardrik berrava com força, sua voz já estava rouca de tanto berrar. As imagens sumiram e ele sentiu-se caído mais uma vez no chão gelado do corredor.
Ofegava. Sentiu como se estivesse no vácuo e não tinha consciência de onde estivera nos últimos dezesseis anos. Mas ele se recordava daquela pessoa que estava à sua frente. E não era Shadow.
Os cabelos arrepiados e aquela capa marrom destacavam a figura de um garoto de estilo rebelde. Em suas costas ele carregava um arco, e nenhum sinal de flechas. Ele estava de costas para Hardrik mas logo se virou para ele e pode ver olhos verdes bem vivos, um nariz reto e a boca fina. Era o garoto que ele vira o encarando na fila da matrícula.
- Não se preocupe agora Hardrik. – ele disse com uma voz grave e otimista. – Eu vim ajudá-lo a ir para casa com segurança.
Shadow estava abobalhado olhando a situação. Pelo jeito o garoto de cabelos arrepiados conseguiu detê-lo a tempo e estava caído a uns dez metros. Levantou-se e tinha uma cara de puro desdém.
- Sinceramente Gemini, você se acha realmente esperto. – Shadow não estava mais sorrindo como nos minutos anteriores, pelo contrário, substituiu-se por uma cara séria demonstrando raiva. – Eu queria acabar com esse lixo que você protege com mais não sei quantos guardiões e você estraga tudo. Igual hoje cedo.
Aquelas palavras não faziam sentido algum para Hardrik. Sua cabeça ainda girava e as imagens haviam sumido. Olhava apenas de Shadow para o garoto recém chegado.
- Ela irá ficar realmente muito furiosa comigo quando descobrir que falhei desta vez. – Shadow continuou a dizer, arrogante. – Eu prometi limpar todas as lembranças falsas desse aí – ele apontou para Hardrik que olhou com pura raiva para ele -, mas eu falhei. E tudo por culpa de você Rach Gemini, caçador de Lendas!
- Nossa filho, você não sabe como isso me deixa comovido. – Rach ia dizendo fingindo fungar. – Mas se eu fosse você iria logo embora antes que eu use meu arco; ou até quem sabe... libere aquilo que você sabe.
Rach arregalou os olhos verdes e Shadow pareceu ter compreendido embora Hardrik não tivesse entendido nada do que eles estavam conversando.
- Se você acha que vou fugir porque você está ordenando e sim porque já estou muito atrasado. – Shadow fez um breve movimento de cabeça. – Não se preocupe Hardrik Sullivan. Iremos nos encontrar mais vezes. – e assim com uma piscada de seu olho esquerdo, Shadow desapareceu.
Durante uns dez minutos o silencio tomou parte daquele corredor. Rach estava em pé olhando para onde Shadow desaparecera há pouco tempo. Hardrik, caído, tentava agora lembrar-se do que Shadow o fez recordar, mas apenas o que ele se lembrou foi de uma sombra com cabelos que se moviam e um par de olhos vermelho sangue que ele já viu uma vez...
Deu-se conta de que Rach estava falando com ele e tentou voltar à terra.
-... e agora só falta ver o que aconteceu com os outros. Receio que estejam bem. E você Sullivan, como se sente?
- Bem. – ele mentiu. – Estou ótimo.
- É claro que não está ótimo. Eu sei que ele fez você perder grande parte de sua memória e... a restaurou. – Rach tinha um ar preocupado, mas tentou sorrir. – Agora se levante que vou lhe levar para sua casa. Seu pai deve estar preocupadíssimo.
Rach ajudou Hardrik a se levantar e ajeitar-se. O garoto ainda estava tonto. A pressão de Shadow atormentou muito sua cabeça.
- Vamos então. Vou colocar seu braço no meu ombro para ajudá-lo a caminhar.
Os dois desceram lentamente o trajeto até o andar abaixo – as luzes estavam apagadas – e seguiram pelo corredor onde mais cedo ocorreu a matrícula. Lembrando-se de um detalhe, Hardrik hesitou antes de perguntar.
- É estranho – ele começou, tentando puxar conversa. – Eu tenho uma nítida impressão de que nos conhecemos, não?
Mirou o garoto por um tempo e obteve uma resposta mais que perfeita.
- Nos conhecemos sim Sullivan. – sorriu. – Me chamo Rach Gemini; o garoto que lhe mandou esse colar e que o salvou de manhã naquele beco.
Hardrik ficou boquiaberto.
- Sério? – Rach confirmou com a cabeça. – Então estava certo quando tive a impressão de que o conhecia àquela hora no corredor.
Hardrik fez força para dar um sorriso, mas seus maxilares doíam bastante. Depois disso os dois ficaram em silêncio enquanto saíam do colégio e passavam pela rua escura e vazia – caminhavam lentamente, já que Rach ajudava Hardrik a caminhar. O garoto sentia dores nas pernas e seu cérebro ainda doía. Algumas partes de sua memória pareciam estar voltando e sua visão estava ficando muito mais nítida através dos óculos escuros, fazendo com que ele conseguisse ver muito pouca coisa.
Rach ofegava; de fato Hardrik não era tão pesado. O problema era o arco que ele carregava nas costas; parecia pesado, de cor negra e prata, Hardrik pôde notar que não havia lugar onde colocar flechas, o que ele achou muito estranho.
Continuaram a caminhada sem interrupções - Rach parecia aliviado -, e passaram por um trajeto diferente do que Hardrik havia feito ao sair de casa. Chegaram a Rua da Calamidade rapidamente e as casas vizinhas já estavam com as luzes apagadas. As mesmas latas de lixo ainda se encontravam jogadas no meio da estrada.
- Somente um idiota se preocuparia em fazer esse trabalho – comentou Rach.
Pararam em frente à Residência dos Sullivan. Rach carregando Hardrik nos ombros parecia de certa forma cansadíssimo. As vestes de Hardrik estavam molhadas de suor e sujas mas não se importou. Entretanto, quando olhou para sua casa, sentiu algo que fez seu coração acelerar, diferente de quando se vira cercado por aquelas criaturas mais cedo.
- Tem alguma coisa muito estranha por aqui.
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