quarta-feira, 14 de maio de 2008

Quem de nós



Sinto dor,
Ao ver que você mudou tanto.
Preciso saber o por que ?
E aprender, que nem que falem nem que te calem.
Você é muito mais do que a tempestade.
Que Deus te dê coragem e ninguém mais.
Quem de nós com própria voz,
vai dizer a verdade custe o que custar
não vai mentir.
Existe esperança corpo e sangue,
que há muito impõe uma chance.
É só você acreditar e não temer.
As horas passam e o tempo traz
de volta a integridade, matando a saudade.
No coração virtudes, ideais.
E nem que vá embora,
eu continuarei a te esperar.

domingo, 11 de maio de 2008

Desculpas


Novamente aqui estou. E desta vez não escreverei algo bonito como das outras vezes.
Ultimamente, tenha estado angustiado. Assuntos do passado voltando à minha cabeça como se eu estivesse assistindo toda história da minha vida, e tudo que vejo são coisas ruins. Pessoas que me decepcionaram de uma forma que fora dificil o antigo Bruno Henrique animado e palhaço voltar.
Pois aqui estou eu, novamente ressentido com alguns mal entendidos que me surgiram na última semana. Talvez eu esteja perdendo a habilidade de interpretar o "gostar" de amizade, do "gostar" de amar. Me sinto envergonhado pela minha atitude infantil de me atirar no "túnel do amor" e sair com feridas não muito fortes, mas que me fizeram refletir: o que faz um ser humano agir desta forma? Impulso, talvez. É! É isso. São coisas como essa que nos deixam tolos o suficiente para agir sem pensar. Sem pensar no outro ser. Há uns dias acabei confundindo algo muito forte. E me arrependo disso. Jogar-me assim do abismo. Mas acabei "Caindo do Wyvern", como diria um personagem de meu livro. Acho que é apenas isso. Aquela pessoa saberá que é para ela isso que estou escrevendo. Para ela em especial, mas aos leitores do Jardins Suspensos também, só que não entrarei em detalhes. Minhas sinceras desculpas R. , não quero perder essa amizade.

Até breve.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Não me irrite!


Não me irrite
Pois talvez seja a última
coisa que você queira realmente fazer.
Não me irrite!
Meus nervos estão à flor da pele.
É algo inexplicável
Irritar-se de uma hora para outra
Ou será que já acordei assim?
Não me irrite!
Caso você esteja perto demais
minhas mãos podem alcançar facilmente
a sua cara estúpida e arrogante
Rindo de sei lá o que.
Dizendo mentiras que me frustram;
Provocando-me, induzindo-me ao nervosismo.
Por isso, por favor.
Não me deixe irritado.
Sou um garoto calmo quando se deve ser,
a maioria das vezes, quieto, precisando de alguém
maduro demais para se ter uma conversa racional.
Mas sempre há aqueles, que parecem ter vindo ao mundo
somente para me encomodar, e fazer com que eu perca
a minha paciência.
Ah... não, não me irrite!

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Insônia


Oh, esta maldita insônia
Que atrapalha minha noite.
Pretendo dormir, estou deitado, olhando para o teto branco,
refletindo, analisando a minha vida, meus erros, meus acertos.
As preocupações em minha cabeça fazem com que eu fique sem sono.
Fico absorto, vulnerável, apreensivo.
São apenas 4:10 da manhã, tudo bem.
Me levanto e tomo um café,
apoiado no parapeito da janela do quarto andar,
sentindo o vento gélido de outono no meu rosto.
Maldita hora em que decidi tomar café.
A insônia continua, e eu vou me irritando com ela.
Torno a me deitar, volto a olhar para o teto branco,
para refletir e analisar a minha vida.
Oh, maldita insônia.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Capítulo Três – Boas vindas

A Residência dos Sullivan estava completamente escura exceto por uma luz no primeiro andar, na janela do canto esquerdo. Os postes da propriedade também estavam apagados e o portão semi-aberto. Não parecia, mas Hardrik notou que algo estranho estava acontecendo realmente no interior da casa.

- É melhor entrarmos, não? – Rach perguntou, soltando Hardrik para poder respirar melhor. – Já é tarde e você nem deveria estar fora de casa.

Hardrik não respondeu imediatamente. Olhava fixamente para o térreo, onde a luz acesa da sala de vistas chamara sua atenção, e imaginou o que estaria acontecendo lá dentro (dificilmente seu pai deixava luzes acesas àquela hora da noite). Indiferente, ele por fim assentiu e lentamente passaram pelo portão e entraram na propriedade. Os gramados negros estavam úmidos e as poucas flores que haviam ali ressonavam na noite fria. Rach olhava para os lados, à procura de algo anormal e junto a Hardrik caminharam juntos até a porta da frente.

- Agora que estou aqui não tenho vontade de entrar – Hardrik disse meio trêmulo.

- Por quê? – Rach quis saber.

- Eu não tenho a mínima idéia. Mas acho que coisas estão para serem reveladas hoje. – ele não soube por que disse aquilo, mas não se importou.

Rach o olhou sem entender. Mas, Hardrik realmente sentia isso e percebeu que a corrente que Rach lhe dera estava tremeluzindo em seu pescoço. O outro percebeu e disse um tanto animado:

- Seus dons estão quase desenvolvidos sabia?

- Como assim? – Hardrik perguntou distraído. Ainda olhava para sua casa.

Rach mexeu em suas vestes e à altura do pescoço ele retirou uma corrente fina e prateada, igual à de Hardrik, até a chavezinha mínima. Só que em vez de ter uma pedrinha de rubi, havia uma pedrinha verde brilhante: esmeralda.

O garoto deu uma risadinha baixa; qualquer barulho incômodo acordaria os vizinhos, ou até chamaria a atenção de alguém do interior da casa de Hardrik.

- Seu pai ainda não lhe contou não é? – Hardrik sacudiu negativamente a cabeça. – Então, não sou eu que vou lhe contar.

Uma nota de desapontamento invadiu o cérebro de Hardrik. A imagem de seu pai lhe veio à cabeça de tal forma que ele se lembrara de algo importante.

A visão de seu pai gritando com ele e em seguida pedindo-lhe desculpas; doces e guloseimas em cima de uma grande mesa; embrulhos de vários tamanhos sobre o chão e a voz de seu pai lhe dizendo: “... não é a hora certa para lhe contar tudo... talvez quando você chegue antes de eu partir... contarei-lhe tudo...”.

- Não se preocupe. Essa corrente detecta sinais de fadares desconhecidos que estão por perto. – ele se aproximou e baixou a voz, como se receasse que alguém ouvisse – É conhecida como Corrente Fadariana, e somente pessoas como nós acima de dezesseis anos a recebem, para poder desenvolver seus dons.

Hardrik ficou absorto.

- Eu entendi em parte, mas tudo bem... – ele hesitou antes de colocar sua mão na maçaneta, contudo, quando ele a girou alguém abrira do lado de dentro.

Sua respiração diminuiu ao ver uma figura alta, de cabelos grisalhos e sobrancelhas grossas. Olhos cansados e barba a fazer. Estava vestindo um casaco de pele de leão e – Hardrik pode perceber – em seu pescoço havia uma corrente prateada.

- Meu sobrinho querido! – exclamou Felipe Sullivan, tio de Hardrik.

O garoto ficou pregado na porta chocado. Das coisas estranhas que aconteceram naquele dia, Hardrik pensou, esta foi a maior. A última vez que o garoto vira seu tio ele tinha apenas cinco anos. Depois desapareceu; ele fora morar no exterior, junto da esposa e o filho que nem Hardrik chegara a conhecer...

- Vi que você cresceu muito desde minha última visita. – o tio Felipe falava, o que trouxe Hardrik de volta a terra. – Mas agora creio que irei ver você crescer melhor...

- O quê?, o senhor se mudou para a cidade? – ele deixou escapar.

- Não, não – o tio sorria (como ele se parece com meu pai quando ele faz isso, pensou Hardrik). – É algo bem melhor. Irei morar aqui para sempre...

- Quê? – Hardrik gritou.

- Acalme-se. Não sabia que você iria ficar espantado com a notícia. Imaginei que Hélvio havia lhe contado. Mas agora isso não vem ao caso. Vamos entrar.

Felipe esperou Hardrik entrar e parou Rach na porta.

- E quem seria você? – ele ergueu uma sobrancelha.

- Sou Rach Gemini, caçador de lendas e guardião permanente de Hardrik Sullivan. Não tenho tempo de ficar parado aqui fora enquanto ele está sozinho precisando de proteção e não é o senhor que vai me impedir de entrar, pois tenho a livre autorização de entrar nesta casa.

O garoto disse isso tão rapidamente que Hardrik não conseguiu decorar. Por fim Felipe ficara com cara de quem come e não gosta e Rach entrara na casa acompanhando Hardrik até a sala.

Aproximou-se, esperando encontrar seu pai sentado no sofá, mas apenas encontrou a sala vazia, exceto por um garoto sentado no sofá ao canto lendo uma revista intitulada Mutantes: Como ficar oculto na sociedade? Ele parou de ler quando Hardrik e Rach entraram na sala e ficou acompanhando os dois sentarem (o mais longe possível dele) e depois voltar a ler silenciosamente. O garoto tinha a pele macilenta e olhos cor de âmbar, junto com os braços em desalinho e o queixo fino. Rach ficou olhando para o garoto durante quinze longos minutos e Felipe só chegou à sala vinte minutos depois, trazendo quatro copos de chá gelado.

- Terei que fazer umas comprinhas – disse ele, oferecendo os copos para todos na sala. –, e escolher um quarto para o meu filho.

Ele apontou para o garoto que estava lendo a revista. Ele bebia lentamente o chá que seu pai trouxera e mantinha os olhos pregados na revista. Rach por outro lado não bebera nada e olhava para Hardrik, que estava entediado.

- Onde está meu pai? – ele quis saber.

Tio Felipe olhou para ele confuso.

- Ele teve que se ausentar por um tempo, mas não se preocupe que estarei aqui para tomar conta de você. – falou paternalmente para Hardrik, que se sentiu incomodado. Ele pensou que seu pai estaria ali para contar sobre seu passado. – Você sabe Hardrik, ele começou um novo emprego e está para ganhar milhões! – ele abriu um sorriso. – Isso não é importante agora...

- Que tipo de trabalho? – exigiu saber Hardrik. – É longe? Quando ele volta?

O tio o olhou meio impaciente e este sentiu pela primeira vez suas bochechas ficarem vermelhas. Sentiu, de fato, vergonha pela grosseria que cometera, mas pediu desculpas logo em seguida.

- Não é nada filho. Mas agora isso não é importante. – ele cutucou o garoto que estava lendo e disse: - Esse aqui é o meu filho, Iago. Ele não conhece muitas coisas do país, mas consegue falar e entender nossa língua.

Iago acenou para Hardrik e Rach, completamente entediado, e eles retribuíram o aceno, loucos de vontade de rir.

- Iago este é Hardrik seu primo e o outro garoto é Rach, o caçador de lendas. – tio Felipe falou, bebendo um pouco do chá de seu copo.

- Caçador de Lendas, é? – Iago disse com desdém. – Imagino que você não chegue nem aos pés do maior caçador de lendas que existiu entre os fadares, Rag Gemini, o maior.

Rach riu. Levantou-se e ficou encarando Iago com total nojo.

- É uma grande coincidência você dizer isso moleque. – ele cuspia a cada palavra que dizia. – Não sabia que na família Sullivan havia fãs de meu querido pai Rag Gemini, o guerreiro.

Iago ficou estupefato com aquilo que Rach acabara de dizer. Por fim tentou pedir desculpas, mas quase piorou a situação.

- Não precisa desculpar-se! – ele gritava e Hardrik não se importou. – Pode falar o que quiser, mas não toque mais no nome de meu pai! A próxima, eu juro, você não irá sair ileso.

A sala ficou silenciosa após tal episódio. Felipe ficou abobalhado em ver um estranho gritar com seu filho, mas nada disse. Hardrik olhava espantado para Rach e ficou calado. De certa forma a presença de Iago no resto da noite tornou-se totalmente desagradável para Rach que teve que dividir a mesa do jantar com ele.

Logo em seguida ele e Hardrik deixaram a mesa do jantar (sob um olhar de censura de seu tio Felipe) e dirigiram-se para o hall, sem dizer uma palavra até chegarem à porta.

- Estou indo então cara. – disse Rach.

- Tem certeza? Está tarde e seria melhor que você ficasse.

Rach olhou para Hardrik com as sobrancelhas erguidas.

- Não fico perto desse bosta de Iago nem que você me entregue uma bolsa com ouro.

Hardrik não entendera o motivo pela raiva de Rach pelo seu primo e nem quis perguntar naquele momento, pois tinha quase a certeza de que este iria ficar bravo com ele e não ficaria ali. Então, tentou resolver uma coisa.

- Você não precisa ficar perto – falou com determinação. – Nem eu quero ficar perto dele. – ele mostrou a língua -; e de certa forma você irá dormir no meu quarto que fica no sótão, dois andares acima. Ou seja, distante de Iago.

Ele esperou Rach dar a resposta. O garoto parecia estar pensando o que deveria fazer. Se ficasse, ele teria alguém para conversar; se ele decidisse partir...

- Bem Hardrik... – ele começou fingindo uma voz sonolenta. -, irei ficar somente por que minha casa fica longe e estou com preguiça de andar. Se não fosse por isso...

Assim, ele e Hardrik subiram as escadas e seguiam pelo corredor com portas numeradas, até chegarem a porta de número trinta e três.

- Sabe Rach – Hardrik começou escolhendo as palavras. -, já que você vai ficar aqui... bem, você poderia me contar um pouco mais sobre os fadares, não é?

Ele olhou para Rach e viu que este sorria.

- Eu estava realmente imaginando isso – ele deu uma risadinha -, que você iria querer me perguntar a respeito. Contudo irei lhe contar somente sobre os fadares e nada de mais. Não irei contar-lhe coisas que não devo...

Haviam chegado à porta trinta e três e Hardrik a abriu, deixando Rach entrar primeiro e em seguida a fechou. Archotes cobriam as paredes do corredor que levava para o seu quarto e suas sombras tremeluziam de acordo com o fogo. Rach chegou a assustar-se com a sua própria e só ficou aliviado ao chegar ao sótão.

- É que eu não sei muita coisa sobre os fadares e gostaria de saber algumas coisas.

Sentou-se em sua cama enquanto Rach observava a Rua da Calamidade pela janela. A luz estava fraca e sua cama desarrumada. Rach não lhe respondeu imediatamente. Algo na rua o fez ficar paralisado.

- O que foi? – Hardrik pareceu preocupado e também foi até a janela.

A rua estava escura, exceto por uma luz que fora acesa recentemente na casa à frente. Era ilustre e de cor laranja com janelas de vidros grossos e cortinas brancas sedosas. O jardim era imenso e um pouco parecido com o da Residência dos Sullivan. Mas de certo modo aquela casa sempre esteve vazia e mal notada pelos habitantes. Agora, sem aviso, um carro prateado estava estacionado em frente à casa, junto com um caminhão de mudanças sendo descarregado. Mas Hardrik não via motivo algum para Rach estar com aquela cara; resolveu então perguntar mais uma vez.

- O que foi Rach? – ele olhava para o garoto e para casa à frente sem entender.

- Não acredito que até eles vieram para Green Mountain! – falou quase tão de repente que Hardrik levou um pequeno susto.

- Eles quem cara? – Hardrik exigiu saber, olhando para a casa.

Havia gente movimentando-se do lado de fora da casa, carregando caixas e sacolas. Uma sombra alta carregava imensas caixas de uma só vez e o garoto teve que piscar várias vezes para ter certeza do que estava realmente vendo.

- Realmente acho que ele resolveu voltar para a Liga dos Guardiões ou veio por outro motivo. – Rach pensou em voz alta.

Hardrik dera um cutucão forte em Rach e fez com que este voltasse a terra.

- Quem são eles?

- Não é “eles” – disse Rach massageando os ombros -, e sim “ele”. Um garoto fadar que ninguém consegue perseguir, matar e muito menos, controlar.

Ele deu mais uma olhada pela janela e Hardrik fez o mesmo.

Viu que havia um garoto e uma garota saindo do carro, ambos levando varias bagagens. Colocaram as bagagens no chão, mas logo depois o garoto desaparecera, deixando a garota sozinha.

- Que foi aquilo? – Hardrik pareceu ansioso e assustado. Olhou para Rach e percebeu que seus cabelos arrepiados murcharam de certa forma e tremia.

Uma nota de pânico invadiu o peito de Hardrik que chegara a sentir uma fisgada em seu coração. Ele se afastou da janela e correu para cima de sua cama. Rach fez o mesmo e sentou-se mais uma vez ao seu lado, completamente estupefato.

- De qualquer forma – Rach sussurrou no quarto, a luz fraca -,teremos de visita-lo amanha cedo assim que nos acordar.

Hardrik não disse nada; apenas olhava para a janela como se ela fosse um monstro.

- Agora acho que é melhor esquecermos o que vimos e sabemos. – ele se levantou e se espreguiçou. – Preciso de um bom banho. Onde fica o banheiro?

- Na portinha atrás do meu guarda-roupa Rach. – Hardrik lhe respondeu com a voz fraca. – Tem um pijama velho que não uso atrás da portinha e as toalhas estão no armário do banheiro mesmo.

- Beleza então.

Rach desapareceu pela portinha oculta e Hardrik ficou ali em sua cama, completamente espantado com as coisas que se sucederam naquele dia. Olhou para o relógio sobre a mesa-de-cabeceira e viu que eram duas e meia da manhã. Seu irmão estaria chegando logo logo e seu pai saíra sem deixar mais nenhum recado. Seu tio viera morar com eles e trouxe junto um primo chato e metido. Vizinhos estranhos acabaram de chegar à Rua da Calamidade. E Rach estava agindo um pouco estranho.

Levou as mãos à cabeça e revirou seu cabelo. Seus óculos escuros estavam irritando-o e o retirou imediatamente do rosto. Ele não queria que ninguém olhasse para eles, mas agora que tudo de estranho tem acontecido ele não via outra escolha.

A portinha atrás do guarda-roupa se abrira e Rach aparecera vestindo seu pijama alaranjado e com cheiro de mofo. Hardrik fechou os olhos rapidamente e se levantou desajeitado.

- Calma Hardrik! – Rach riu. – Estou vestido, embora eu pareça uma abóbora, mas não ligo.

- Não é isso cara. – disse Hardrik, ainda com as mãos ocultando seus olhos. – Só não quero que ninguém olhe para os meus olhos. É só isso.

Hardrik esperou ouvir uma breve resposta, mas bem antes disto ele ouviu Rach dar uma risadinha.

- Eu sei o segredo de seus olhos Hardrik – ele foi se aproximando, seus cabelos molhados e brilhantes chegavam às orelhas. – Mas tem uma coisa que eu quero te perguntar antes de amanhecer e eu começar a ensinar você...

- Me ensinar? – ele pareceu confuso e chegou a hesitar em tirar as mãos dos olhos.

- Éé – disse Rach meio impaciente. – Mas quero lhe perguntar uma coisa. – ele ficou quieto por um instante e ouviu o som de um caminhão partindo na noite, do lado de fora, mas não se importou. – Você já machucou alguém, ou teve vontade de machucar?

Hardrik ficou imóvel e não respondeu. Essa pergunta era muito óbvia e imagens que ele nunca havia visto começaram a aparecer em sua mente.

Fazia um lindo dia ensolarado na Rua da Calamidade e a Residência dos Sullivan parecia alegre e muito confortável. Os jardins continham a grama verde e fofa, com flores coloridas e mudinhas de árvores cresciam a toda volta. Por trás da Residência uma grande piscina com as bordas de mármore amarelo, refletia o sol na água e nas cadeiras de sol que estavam próximas. Uma mulher bonita e jovem, vestindo um maiô e por cima uma espécie de tanga de seda púrpura. Ela estava sentada em uma das cadeiras, tomando um bom banho de sol. Empregados e jardineiros estavam espalhados por toda Residência podando e limpando o quintal e a casa no lado de dentro. A mulher, cujos cabelos castanhos lhe chegavam aos ombros, segurava um pequeno bebê e o amamentava, enquanto um outro garotinho um pouco mais velho brincava perto da piscina.

- Por favor, Noêmia chame Hélvio – mandou a Sra. Sullivan para a empregada próxima. –, e diga a ele que tenho um jantar marcado com Izadora Armstrong Bonnes às oito em ponto.

- Sim senhora. – a empregada fez uma reverência e se dirigiu à casa.

A Sra. Sullivan estava fazendo Hardrik dormir, mas havia muita balburdia e Hugo não estava ajudando com aqueles ataques frenéticos para se lançar na piscina. Não demorou muito e Hélvio saía de dentro da casa e se aproximava da Sra. Sullivan. Ele parecia bem mais jovem, a única coisa que o Hélvio Sullivan possuía de diferente eram as rugas.

- Me chamou Helena? – ele perguntou para a esposa, mostrando como sempre fazia, seus dentes brancos e brilhantes. – Não tenho muito tempo hoje sabe minha querida. O projeto da receita de minha falecida mãe que eu encontrei na noite passada é um achado! – ele levantou as mãos. – Podemos ficar mais ricos do que já somos.

Helena olhava para Hélvio com total desprezo; ela não gostava de ver seu marido agindo feito um maluco e sentia-se até envergonhada com aquilo.

- Está bem Hélvio. – ele abalava Hardrik em seu colo, e ele até que parecia imóvel. – Mas tenho que lhe perguntar uma coisa sobre o garoto.

Apontou para Hardrik e até Hugo parara de fazer bagunça para tentar escutar os pais conversando. Este tinha as mesmas feições de Helena, exceto os olhos, que eram azuis.

- Você quer saber sobre a... – Hélvio olhou para os lados e viu que alguns empregados estavam próximos e ele teve certeza de que estavam ouvindo. – a proposta dela?

Helena confirmou com a cabeça apreensiva. Hélvio coçou a cabeça parecendo pensativo. Ele pediu para que os empregados se retirassem para os dois poderem conversar em particular e só assim pôde aumentar um pouco o volume de sua voz.

- Eu a visitei noite passada como você sabe muito bem. – ele sentou-se ao lado de Helena, enquanto o bebê Hardrik dormia em seu colo. – Ela não ficou nem um pouco surpresa com a minha visita e falou que demorei para procurá-la.

- E então querido?

- Não tive nenhum sucesso com a proposta. – Hélvio levou as mãos na cabeça, inconformado. – Ela não quis aceitar a troca e falou que ele irá ficar assim para o resto de sua vida.

- Foi só isso que ela falou?- Helena parecia horrorizada. Seus olhos estavam fora de órbita e sua respiração aumentara. – Mas... mas... mas o que nós iremos fazer então Hélvio? É perigoso demais!

Hélvio estava pálido e sua respiração também estava acelerada. Ele tinha de tomar uma decisão; olhava de Helena para Hardrik fechava os olhos, assustado. Por quarenta e cinco minutos ele ficou parado, e Helena a observá-lo, até que finalmente ele se levantou.

- Bem Helena – ele tremia. – A única de maneira de ficarmos seguros é trancá-lo em um lugar distante das pessoas.

- Mas por quê...?

Hélvio chegou perto da esposa e pegou Hardrik nos braços.

- Você carrega uma maldição Hardrik. E espero que mais tarde você me compreenda.

A Sra. Sullivan o tomou de Hélvio e o colocou mais uma vez em seu colo. Hugo, que estava por perto escutando não entendera nada do que seus pais conversaram e voltou a brincar perto da piscina.

- Eu não ligo a mínima para essa maldição Hélvio. – Helena acalmara-se e parecia escandalizada agora. – Ele é nosso filho e você não vai largá-lo como fez com o outro irmão dele.

O Sr. Sullivan se levantara, completamente mudado, igual no dia em que ele se alterara com Hardrik.

- Por que você não fica quieta? – falou tão alto que Hugo parara de brincar mais uma vez e saíra correndo para dentro de casa. – Aquele outro era um total problema! Na verdade não era não! – seu rosto jovial ficara vermelho e saía cuspe de sua boca. – É a nossa família que têm problemas! Nossa casa, nossos filhos! O meu irmão idiota tem problemas! Essa maldição é mais um obstáculo para nossa família!

Helena estava levando tudo àquilo na cara e não levantou um dedo sequer. Alguns empregados distantes observavam a cena de briga.

- Mas me explica! Nossos descendentes; eles são os culpados. Isso sim! A Aliança Fadariana como dizem falhou em nos proteger como havia nos prometido! Os Guardiões desgraçados onde estavam na noite em que meu último herdeiro nascera? Onde mai...

Um grito horrorizado cortara o ar e Hardrik viu tudo ficar escuro; uma sombra passara por sua mente e quando ele abriu os olhos se viu sentado em sua cama, sua roupa encharcada de suor.

- Você está bem? –Rach perguntou verificando a temperatura de Hardrik. – Olhe para mim cara!

- Não é nada. – mentiu o garoto levantando-se e indo tomar banho.

Quinze minutos depois ele estava de volta, vestindo um pijama azul e branco. Rach preparara sua cama e ia se deitar.

- Boa noite Hardrik. – ele desejou indiferente. De certa forma estava aborrecido com ele por ter ignorado a pergunta; entretanto Rach não sabia que finalmente a mente de Hardrik voltara ao normal. Shadow a consertara de modo que o garoto se lembrasse de seu passado, mas por quê?

Cansado, se dirigiu até a cama e lá se deitou virado para a parede. Não estava preparado para mostrar aqueles olhos – os olhos que ele usara contra alguém no passado -, contudo Rach ensinará a ele ao amanhecer.

O garoto, que preparara uma pequena cama no chão, adormeceu logo eu deitara, deixando Hardrik em pensamentos. A imagem de Helena Sullivan petrificada passou veloz na sua mente, junto de uma pequena flor branca. Ele sentia seu cheiro. Era doce e suave, como um campo florido e ensolarado. Um cheiro tão gostoso, que Hardrik Sullivan adormeceu instantaneamente. Sem lembrar-se de quase nada na manhã seguinte em que acordara.

Na manhã seguinte Hardrik levantou-se atordoado. Pelo visto rach já se levantara e arrumara a sua cama, e as cortinas da janelinha estavam abertas, deixando pequenos raios de sol entrar no quarto. Decidiu guardar o sonho que tivera somente para ele, e também tentaria ser um pouco mais alegre. Foi até o banheiro fazer xixi e logo em seguida vestiu-se – uma camiseta verde, calça jeans escuras e o seu tênis -; ainda atordoado, ele pegou seus óculos escuros e saiu lentamente do sótão.

Chegou ao corredor com portas numeradas dez minutos depois e ouviu vozes altas vindas do andar abaixo. De fato tio Felipe estava tendo uma discussão com Rach. Mal chegara ao patamar e conseguia ouvir o que tio Felipe gritava.

- DE JEITO NENHUM! HARDRIK NÃO VAI APRENDER UMA COISA DESSAS! É PERIGOSO DEMAIS!

- Você acha perigoso? – Rach dizia tranquilamente. – Fadarius Ocularius é uma habilidade muito difícil sim, mas com treinamento ele conseguirá...

- É MESMO? – Felipe estava roxo de raiva. Iago ficou parado ao lado de seu pai, olhando para Rach com absoluto desprezo. – RACH GEMINI CAPAZ DE ENSINAR? QUERO QUE SAIBA QUE EU ESTOU COMO RESPONSAVEL POR HARDRIK...

Hardrik desceu as escadas e parou ao lado de Rach, que bufava feito um touro furioso. Iago retirou-se do hall assim que o primo aparecera, Felipe se dirigiu ao sobrinho, fingindo um sorriso de orelha à orelha.

- Escute – ele colocou suas mãos nos ombros do sobrinho. – Quero que você decida o que é certo para você. Amanhã é seu aniversário e também quando seus dons ficarão completamente desenvolvidos. – ele olhou para Rach, desdenhoso. – Então esse colega seu – ele apontou para Rach -, quer que você aprenda a habilidade de ocultar esses olhos que você esconde por trás das lentes.

- E eu quero... ! – Hardrik interrompeu.

- Eu sei disso – Felipe falou impaciente. – Mas você deve saber que é uma habilidade perigosa.

- Já está decidido tio Felipe. Vou aprender com Rach Gemini. – ele olhou para o colega que sorria e olhava para o chão. – Iremos começar hoje mesmo. – olhou para Rach, em busca de apoio. – Não é mesmo Rach?

Pela cara intrigada do garoto dava para se imaginar a resposta. Tio Felipe parecia vitorioso. Por que ele está tão alegre, esse idiota? Hardrik pensou.

- Na verdade Hardrik, nós iremos começar depois de amanhã. – ele parecia realmente meio desapontado, mas nada comparado a Hardrik, que parecia ter levado um soco no estômago. – Hoje iremos visitar uma pessoa.

Tio Felipe sorria abertamente, substituindo aquela cara imbecil que fazia; retirou-se e foi diretamente para a sala, deixando os dois garotos sozinhos no hall. Hardrik inconformado, perguntou aborrecido a Rach.

- Por que não posso aprender isso hoje?

- É porque você ainda não fez dezesseis anos, meu caro amigo. – Rach deu um tapinha nas costas de Hardrik tentando animá-lo. – Agora temos coisas mais importantes a fazer.

- Como o quê? – Hardrik perguntou ansioso.

Rach deu um sorrisinho prazeroso. Sua barriga roncou audívelmente e ele olhou para Hardrik, meio que descontente.

- Tomar um bom café. – disse por fim. – Onde fica a cozinha?

domingo, 16 de março de 2008

Capítulo Dois - A Sombra

O Colégio Central ficava próximo a um grande supermercado e enquanto se aproximava, olhou para o lado e tivera a mesma impressão de quando fora perseguido por aquelas criaturas com rostos mascarados. Fazia muito calor, carros passavam apressadamente pela via em frente à escola. Um grupo de garotos se aproximou dele. Imaginou que estavam indo confirmar a matrícula também. Não lhe disseram nada, apenas retribuíram o olhar. Finalmente, ele e o grupo atravessaram a rua e entraram pelos portões de ferro daquele esplêndido colégio.

Aquele momento foi um dos mais alegres na vida de Hardrik que até chegara a esquecer do misterioso presente, do ataque das misteriosas criaturas e de seu salvador. Finalmente iria ter uma vida como todo garoto comum e se divertir com amigos é o que ele mais gostaria de fazer. Quem dera que esses pensamentos fossem verdade...

Um quadro de avisos enorme estava pendurado logo após a entrada, próximo a um corredor. Hardrik caminhou até ele para examinar onde era o local para a confirmação de matrícula. Verificando, ele achou rapidamente, corredor quinze, sala quinhentos e onze Devagar para não esbarrar-se em ninguém, ele saiu caminhando ao longo do corredor. Deu um sorrisinho de satisfação; parecia exatamente a sua casa, com todos aqueles corredores e salas numeradas. Os corredores estavam cheios de alunos que iam e vinham, alguns se esbarrando nele, pedindo desculpas, outros fazendo cara de bravos. Mas, por fim encontrou com facilidade o corredor e a sala que procurava; parecia estar lotada.

Parou atrás de uma garota de longos cabelos louros que o cumprimentou com um pequeno “oi. Ele retribuiu o cumprimento, e ficou encostado na parede enquanto a fila aumentava. Quinze minutos haviam se passado e ele andara apenas alguns passos. Olhou para trás para ver o tamanho da fila. Ficara enorme. Um garoto que estava atrás dele o observava com interesse e Hardrik não estava gostando nenhum pouco daquilo. Viu que o garoto tinha quase a mesma altura dele, cabelos um tanto arrepiados, como se ele tivesse acabado de levar um tremendo choque o, seus olhos, que o miravam com interesse, eram verde brilhantes. Por certo momento, Hardrik ficou encarando-o, com a impressão de que o conhecia de algum lugar. Virou-se para frente, fechando seus olhos por detrás daquelas lentes negras. Estava novamente viajando através de seus pensamentos, imaginando-se daqui a uma semana entrando mais uma vez para começar os estudos...

- Hardrik Sullivan – chamou uma voz feminina que saía da porta número quinhentos e onze.

Nervoso, ele passou pela garota loura que acabara de sair da sala, e entrou. Ouviu-a falar quando se cruzaram: “Até segunda.”

A sala na qual entrara era muito pequena; havia somente uma mesinha onde uma senhora de cabelos grisalhos anotava algo em uma prancheta. Estava sentada em uma cadeira forrada a couro de boi e trajava um vestido amarelo. Sua cara era um tanto enrugada e seus lábios tremiam mesmo sem produzir nenhum som. Não deu a mínima atenção ao garoto que acabara de entrar na salinha. Tentando chamar a atenção, se sentou na única cadeira que havia, defronte para a senhora. Deu uma olhada rápida em seu relógio e viu que já eram uma e vinte e cinco da tarde. “Já se passara tanto tempo assim?”. Fizera um simples movimento para frente, de modo que pudesse ver o que a senhora estava escrevendo, mas ao fazer isso ela o observou pela primeira vez. Seu rosto expressava extrema autoridade.

- Bem – a voz dela lembrou a Hardrik um radinho com a pilha muito fraca -, quero dar-lhe as boas vindas ao Colégio Central. Você deve saber que em nossa cidade, Green Mountain, há varias escolas, algumas excelentes por assim dizer, mas o objetivo deste é trazer alunos que, tiveram por sua vez, estudos realizados em casa.

- Como você já sabe, Sullivan, o início das aulas é na segunda próxima e você não deverá faltar. Primeiramente, o senhor terá que confirmar sua matrícula comigo se quiser estudar neste colégio.

Chegara onde ele quisera. Confirmou sua presença para o dia quinze de março, assinou uma ficha com seus dados pessoais, com um sorriso como nunca dera antes, e se levantou para sair da saleta. Estava quase na porta quando lembrou-se de algo importante.

- Senhora? – ele chamou educadamente. – Será que poderia fazer uma perguntinha? – O sol estava muito forte, entrando pela janela e refletia em seus óculos escuros.

- Precisamente que sim Sr. Sullivan, diga.

- Bom... não se a senhora sabe, mas eu sempre uso esses óculos. Haverá algum problema quanto a isso?

Hardrik percebeu que ela tentava enxergar através das lentes negras, contudo, apenas sorrira.

- Quanto a isso não haverá problema nenhum. Seu pai ligou para cá me explicando o caso e abrimos uma exceção mínima. Todos os funcionários do colégio sabem sobre a liberação. Mais alguma pergunta?

- Não, senhora, era só isso! Tenha um bom dia..

Ele deu meia volta e caminhou em direção a porta. Ao sair da salinha percebeu que o corredor estava entulhado de alunos novos. Não havia notado uma placa de plástico azul pregada na parede, quando chegara. Observou com atenção a placa, lendo tudo que havia escrito:

COLÉGIO CENTRAL

- BANHEIROS..........................................Corredor Seis

- LANCHONETE......................................Corredor Dezesseis

- DIREÇÃO...............................................Corredor Vinte

- SALAS DE AULA...................................Corredores: Quatro,Cinco,Seis,Sete,Oito,Nove,Dez, Onze.

Decorou facilmente toda a tabela e depois seguiu caminhando em direção ao corredor dezesseis. Estava faminto, não havia comido nada além dos doces em casa. Enquanto caminhava rumo ao corredor, lembrou-se que havia colocado alguns docinhos em seu bolso, mas quando pôs sua mão no bolso, os encontrou amassados e sujos. Notara também que o jeans e a camisa preta estavam sujas em algumas partes.

Nunca imaginara que teria um dia tão estranho. Ele ainda não esquecera do ataque que tivera há poucas horas e a todo instante olhava para trás, desconfiado. Os alunos que estavam se matriculando foram ficando cada vez mais distantes enquanto seguia para a lanchonete. Dobrou para um outro corredor um pouco mais elevado, formando uma rampa.

Hardrik viu que o andar de cima estava um pouco mais escuro que o anterior. Hesitou em voltar por um momento, entretanto, no instante em que tirou os óculos para limpar as lentes, ele escutou algo caindo no andar superior. Repôs os óculos e subiu correndo pela rampa, sentindo um formigamento na perna que ainda doía, e pode afirmar com seus próprios olhos que as luzes do ambiente estavam completamente apagadas a não ser por uma luz que vinha do final do corredor, muito distante.

Estava bem no início do corredor. A lanchonete que deveria estar ali, de alguma forma, sumira. O corredor era completamente liso, sem portas e também estreito. Ele ficou parado, encostando-se na parede fria e branca. Olhou para o pouco espaço que havia em um dos lados do corredor e depois para frente para verificar a distancia para chegar até àquela luz distante. Franziu a testa achando estranho o fato de ele ter ouvido algum barulho vindo daquele andar e quando chegar encontrar o lugar deserto e escuro. Era muito estranho...

As paredes brancas escuras mostravam sua sombra enquanto ele caminhava. Chegou até um pequeno trecho do corredor quando ouviu algo passar por suas costas.

Virou-se depressa para ver-se na solidão. Ele sabia que havia alguém ou alguma coisa ali. A mesma sensação que sentiu quando estava sendo seguido por aquelas coisas mais cedo. Voltou para o final do corredor de onde chegara e parou contra a parede. Novamente ele hesitou antes de perguntar abobadamente.

- Quem está ai? – dissera isso mais de uma vez naquele dia e estranhou essa sensação também. Ele tremeu. Quando viu que algo estava surgindo por através da parede ao seu lado.

Soltou um grito de terror, mas não pode saber se alguém o ouvira. Enquanto aquela coisa ia ganhando tamanho ele percebeu que ninguém viria.

Alguma coisa negra estava surgindo pela parede. Ia assumindo o mesmo tamanho de Hardrik e formando uma aparência humana. Como se fosse em câmera lenta, aquela coisa saiu da parede e começou a caminhar em direção ao garoto.

Finalmente, a coisa começava a ganhar forma. Parecia uma sombra, completamente negra e a medida que se aproximava, seu tom negro ia clareando. O cabelo começou a aparecer, os sapatos, o nariz, até finalmente ganhar o “tom” original.

Hardrik não conseguia falar nada. Como é que um garoto, da sua idade atravessara aquela parede? Pois com certeza era um garoto. E muito parecido com Hardrik.

Seu rosto era um pouco menor, o cabelo curto e liso estava brilhante mesmo estando escuro. Tinha um olhar vitorioso, como se tivesse encontrado algo realmente que procurava. Aqueles olhos que Hardrik não pode distinguir a cor, de certo modo estavam deixando-o com um pouco de medo.

Os dois se encaravam desprezadamente. Mas Hardrik teve a sensação de que conhecia aquele garoto de algum lugar. Seria ele que o atacara hoje cedo? Ou fora ele que o salvara? Ele descobriu assim que o garoto atravessador de paredes falou.

- Então você é o Sullivan? – sua voz era morta e arrogante ao mesmo tempo. – Estou te procurando faz um bom tempo. Vi que meus fadares negros não conseguiram acabar com você, mas não se preocupe. Vou matá-lo aqui, e agora.

Antes que Hardrik fizesse alguma coisa, seu corpo fora jogado contra a parede lisa e ele sentiu uma dor enorme na cabeça. Seus óculos ficaram firmes sobre o nariz, mas não conseguia enxergar muito bem. Sentiu como se algo o enfraquecesse e ardesse sua mente. Onde estava o Hardrik Sullivan que sabia se defender quando seu pai o atacava nas aulas de esgrima? Onde estava aquele Hardrik Sullivan bravo e corajoso? Essas duas frases invadiram sua mente atordoando-o. Faça algo! Reaja! Ele falava para si mesmo.

O outro garoto estava se aproximando rapidamente e Hardrik jogado no chão. Isso estava ficando realmente muito estranho. Tentava se levantar, mas era inútil; ouviu passos se aproximando e se viu pressionado contra a parede. Um cheiro de alho invadiu o corredor e quando ele olhou para rosto daquele garoto estranho, percebeu que novamente ele estava tomando a forma de uma sombra.

- Sullivan. Você sabe que eu tenho um jeito muito fácil de matá-lo e ser bem recompensado? – ele estava zombando enquanto seus braços e pernas iam ficando negros. – Nem pude me apresentar. – ele deu uma risada demoníaca. – Mas vou lhe dizer, já que está prestes a morrer.

Ele olhava para Hardrik com o olhar maníaco de antes. Ele se espantou em ver que o garoto sombra olhava diretamente em seus olhos, por trás das lentes escuras. Sua mão estava agarrada ao pescoço de Hardrik e apertava com muita força e não estava mais agüentando. Ofegava e tentava gritar, mas ninguém o veria. Ele não queria tirar seus óculos; não queria machucar as pessoas. Mas aquele garoto estava passando dos limites.

- Bem Sullivan – o garoto começou tranquilamente -, me chamo Shadow, um fadar que nem você.

Fadar... Fadar... Que nome mais estranho, Hardrik pensou. O outro estava sorrindo distraídamente; era o momento certo para Hardrik agir.

Suas pernas estavam livres, e Shadow, estava parado bem a sua frente com as mãos segurando seu pescoço. Com um forte balanço, Hardrik reuniu uma força em sua perna direita e com um chute, lançou Shadow contra a parede à frente. Hardrik caiu no chão gélido do corredor e levantou-se logo em seguida. Seu pescoço doía e ele passou a mão para tentar aliviar a dor que havia; algo pastoso e grudento saiu de seu pescoço no momento que o tocou. Conseguiu apenas sentir um cheiro de alho misturado com óleo e sentiu-se enojado. O outro garoto estava sorrindo novamente e Hardrik não iria brincar desta vez. Ajeitou-se de modo que os dois ficaram frente a frente encarando-se, e nenhum som se aproximava. A luz que havia distante havia desaparecido – já devia estar anoitecendo.

Shadow sorria vitorioso. Hardrik estava pronto para “lutar” embora não soubesse nem o que estaria fazendo. Apenas colocou seus punhos à frente. Era só lembrar das aulas de esgrima que tem com seu pai, ele pensou. Sabia muito bem que ninguém viria ajudá-lo. Somente agora ele tinha recordado do pequeno objeto que ele ganhara hoje cedo. A corrente em seu pescoço estava coberta da essência preta, que escorria pelo seu peito. Com um solavanco ele sentiu como se o vento o tivesse jogado contra a parede mais uma vez, ficando preso nela. Como se estivesse grudado contra ela. Shadow aproximou-se de Hardrik ainda sorrindo e ficaram frente a frente – o nariz do garoto a uns quinze centímetros do seu -, e colocou sua mão esquerda sobre a cabeça de Hardrik; não havia como gritar, pensou ele, ninguém viria.

- Estou cansado sabe Sullivan – Shadow fingiu um bocejo. – Vou acabar com isso agora, mas antes tenho que fazer o que me foi pedido.

Ele fez uma pausa. Talvez para apreciar o momento de vitória, pensou Hardrik irritado. Mas ele nada disse; continuou preso naquela parede esperando o seu destino.

- A vida de um fadar é meio chata sabe – Shadow continuou. – Leva-se muito tempo para a pessoa poder controlar seus dons e aprender a usá-los é muito complicado. É até capaz... de matar.

- O que você ta falando seu desgraçado! – Hardrik gritou, fazendo com que sua voz ecoasse pelos corredores.

Shadow mais uma vez sorriu.

- Nossa, você realmente é muito chato. Não sei por que aceitei quando ela me mandou fazer o serviço. Contudo vou ter que apagar essas lembranças falsas que seu papai imundo colocou em sua mente.

- Mas o quê...?

Tarde demais. A mão que segurava a cabeça de Hardrik tornou-se mais forte e parecia estar entrando no cérebro do garoto, viajando por lembranças que nem mesmo Hardrik se lembrava.Tinha seis anos, ele e seu irmão estavam jogando futebol nos jardins da propriedade; nove anos e ele estava em uma sala ampla,onde um homem discutia com seu pai e brigavam; treze anos, ele estava trancado no sótão berrando e arranhando as paredes e portas. Muitas outras imagens de seu passado passavam como se um telão tivesse sido colocado em sua frente. Ele gritava e se debatia; queria que aquilo parasse... AGORA!

- CHEGA! PÁRA! – Hardrik berrava com força, sua voz já estava rouca de tanto berrar. As imagens sumiram e ele sentiu-se caído mais uma vez no chão gelado do corredor.

Ofegava. Sentiu como se estivesse no vácuo e não tinha consciência de onde estivera nos últimos dezesseis anos. Mas ele se recordava daquela pessoa que estava à sua frente. E não era Shadow.

Os cabelos arrepiados e aquela capa marrom destacavam a figura de um garoto de estilo rebelde. Em suas costas ele carregava um arco, e nenhum sinal de flechas. Ele estava de costas para Hardrik mas logo se virou para ele e pode ver olhos verdes bem vivos, um nariz reto e a boca fina. Era o garoto que ele vira o encarando na fila da matrícula.

- Não se preocupe agora Hardrik. – ele disse com uma voz grave e otimista. – Eu vim ajudá-lo a ir para casa com segurança.

Shadow estava abobalhado olhando a situação. Pelo jeito o garoto de cabelos arrepiados conseguiu detê-lo a tempo e estava caído a uns dez metros. Levantou-se e tinha uma cara de puro desdém.

- Sinceramente Gemini, você se acha realmente esperto. – Shadow não estava mais sorrindo como nos minutos anteriores, pelo contrário, substituiu-se por uma cara séria demonstrando raiva. – Eu queria acabar com esse lixo que você protege com mais não sei quantos guardiões e você estraga tudo. Igual hoje cedo.

Aquelas palavras não faziam sentido algum para Hardrik. Sua cabeça ainda girava e as imagens haviam sumido. Olhava apenas de Shadow para o garoto recém chegado.

- Ela irá ficar realmente muito furiosa comigo quando descobrir que falhei desta vez. – Shadow continuou a dizer, arrogante. – Eu prometi limpar todas as lembranças falsas desse aí – ele apontou para Hardrik que olhou com pura raiva para ele -, mas eu falhei. E tudo por culpa de você Rach Gemini, caçador de Lendas!

- Nossa filho, você não sabe como isso me deixa comovido. – Rach ia dizendo fingindo fungar. – Mas se eu fosse você iria logo embora antes que eu use meu arco; ou até quem sabe... libere aquilo que você sabe.

Rach arregalou os olhos verdes e Shadow pareceu ter compreendido embora Hardrik não tivesse entendido nada do que eles estavam conversando.

- Se você acha que vou fugir porque você está ordenando e sim porque já estou muito atrasado. – Shadow fez um breve movimento de cabeça. – Não se preocupe Hardrik Sullivan. Iremos nos encontrar mais vezes. – e assim com uma piscada de seu olho esquerdo, Shadow desapareceu.

Durante uns dez minutos o silencio tomou parte daquele corredor. Rach estava em pé olhando para onde Shadow desaparecera há pouco tempo. Hardrik, caído, tentava agora lembrar-se do que Shadow o fez recordar, mas apenas o que ele se lembrou foi de uma sombra com cabelos que se moviam e um par de olhos vermelho sangue que ele já viu uma vez...

Deu-se conta de que Rach estava falando com ele e tentou voltar à terra.

-... e agora só falta ver o que aconteceu com os outros. Receio que estejam bem. E você Sullivan, como se sente?

- Bem. – ele mentiu. – Estou ótimo.

- É claro que não está ótimo. Eu sei que ele fez você perder grande parte de sua memória e... a restaurou. – Rach tinha um ar preocupado, mas tentou sorrir. – Agora se levante que vou lhe levar para sua casa. Seu pai deve estar preocupadíssimo.

Rach ajudou Hardrik a se levantar e ajeitar-se. O garoto ainda estava tonto. A pressão de Shadow atormentou muito sua cabeça.

- Vamos então. Vou colocar seu braço no meu ombro para ajudá-lo a caminhar.

Os dois desceram lentamente o trajeto até o andar abaixo – as luzes estavam apagadas – e seguiram pelo corredor onde mais cedo ocorreu a matrícula. Lembrando-se de um detalhe, Hardrik hesitou antes de perguntar.

- É estranho – ele começou, tentando puxar conversa. – Eu tenho uma nítida impressão de que nos conhecemos, não?

Mirou o garoto por um tempo e obteve uma resposta mais que perfeita.

- Nos conhecemos sim Sullivan. – sorriu. – Me chamo Rach Gemini; o garoto que lhe mandou esse colar e que o salvou de manhã naquele beco.

Hardrik ficou boquiaberto.

- Sério? – Rach confirmou com a cabeça. – Então estava certo quando tive a impressão de que o conhecia àquela hora no corredor.

Hardrik fez força para dar um sorriso, mas seus maxilares doíam bastante. Depois disso os dois ficaram em silêncio enquanto saíam do colégio e passavam pela rua escura e vazia – caminhavam lentamente, já que Rach ajudava Hardrik a caminhar. O garoto sentia dores nas pernas e seu cérebro ainda doía. Algumas partes de sua memória pareciam estar voltando e sua visão estava ficando muito mais nítida através dos óculos escuros, fazendo com que ele conseguisse ver muito pouca coisa.

Rach ofegava; de fato Hardrik não era tão pesado. O problema era o arco que ele carregava nas costas; parecia pesado, de cor negra e prata, Hardrik pôde notar que não havia lugar onde colocar flechas, o que ele achou muito estranho.

Continuaram a caminhada sem interrupções - Rach parecia aliviado -, e passaram por um trajeto diferente do que Hardrik havia feito ao sair de casa. Chegaram a Rua da Calamidade rapidamente e as casas vizinhas já estavam com as luzes apagadas. As mesmas latas de lixo ainda se encontravam jogadas no meio da estrada.

- Somente um idiota se preocuparia em fazer esse trabalho – comentou Rach.

Pararam em frente à Residência dos Sullivan. Rach carregando Hardrik nos ombros parecia de certa forma cansadíssimo. As vestes de Hardrik estavam molhadas de suor e sujas mas não se importou. Entretanto, quando olhou para sua casa, sentiu algo que fez seu coração acelerar, diferente de quando se vira cercado por aquelas criaturas mais cedo.

- Tem alguma coisa muito estranha por aqui.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Introdução - Green Mountain

Green Mountain. Uma cidade como outra qualquer, com um grande número de habitantes, grandes casarões e carros importados; uma cidade com ruas direitas, sinalizadas e asfaltadas, sem exceção. Se situa em um canto do litoral catarinense, próxima a capital. As pessoas, totalmente luxuosas, como suas próprias casas evitavam o máximo enxergar o desleixo da parte sul da cidade. A Rua da Calamidade era a pior de todas; a rua é mal sinalizada e esburacada, muitas vezes vândalos despejam o lixo no meio da calçada durante a noite. Porém, a desorganização não é o que mais incomoda a população do centro da cidade. Entre todas as grandiosas casas e seus jardins perfeitamente aparados há uma em que é impossível não observar quando se passa por ali, a Residência Sullivan.

Um magnífico casarão branco, parecido com um palácio governamental, com suas grandes janelas azuis no térreo e o no primeiro andar, e uma pequena janelinha onde deveria ser um sótão. A porta da frente de carvalho resistente era visível para quem olhava por entre as grossas grades de um portão alto de ferro, e um enorme muro de tijolos vermelhos cobria quase todo o quarteirão daquele lado. O casarão ficava um tanto elevado da rua, assim, uma escadinha de ladrilhos claros ia do portão até a soleira de entrada e aos fundos.

O mais esquisito de tudo isso não era o fato de ser considerado o maior casarão de Green Mountain, ou simplesmente de situar-se na rua mais desleixada da cidade. O que deixava os moradores curiosos sempre que passavam por ali era o de não saber quem eram os donos da tal propriedade. Durante a manhã a casa era aberta pelos empregados e o jardineiro, um velho senhor de cabelos calvos, trabalha até o final da tarde; no fim do dia os empregados iam embora e a casa ficava fechada. Um bando de curiosos já tentaram abordar umas três funcionárias da Residência, para investigar sobre o tal dono da propriedade, mas pareciam ter feito um contrato de silêncio absoluto.

Aquela tarde de final de verão estava perfeitamente normal na Rua da Calamidade, as casas com suas janelas abertas, deixando a brisa calorífica passar por entre os quartos e salas, inclusive a Residência Sullivan, onde nossa história acontece. O Sr. Sullivan era um homem muitíssimo ocupado, ainda mais depois da misteriosa morte de sua esposa há uns anos atrás. Não se sabe ao certo em que ele trabalha, mas sai de casa quando ainda está escuro e só volta no meio da madrugada, quando seu filho já está adormecido.

O garoto também nunca fora visto pelos vizinhos, o que deixava um outro ponto de interrogação sobrevoando por aí. Onde ele estudava? Que lugares freqüenta para se entreter com os amigos? Isso era realmente muito estranho para um adolescente.

Os portões do casarão mantinham-se fechados todo o tempo, somente aberto para entrada e saída dos funcionários. Os Sullivan não possuíam carro ou outro meio de transporte, mesmo com toda grana que têm. Para se viver em Green Mountain, dinheiro era a palavra chave, e o Sr. Sullivan de alguma forma tinha um contato íntimo demais com o prefeito da cidade, o Sr. Skipper.

O jardineiro estava regando o gramado em frente à propriedade, com uma mangueira amarela, concentrado em seu trabalho. A janelinha do sótão mantinha-se fechada, com o cortinado cerrado. Rolava boatos de que lá vivia o filho do Sr. Sullivan e que lá era o seu quarto, contudo são boatos e muita gente chegava a acreditar nisso. Enquanto o velho homem molhava a grama verde, o sol queimando a parte careca de sua cabeça, ele nem sequer percebeu o movimento repentino e o barulho de uma janela bater. A cortina no sótão, que antes estava parada, agora se mexia lentamente até parar. Ninguém passava pela rua no momento, então, não fez nenhuma diferença.

Janeiro transcorreu normalmente por aquela região e fevereiro chegou com uma brisa não muito abafada. Agora até as plantas da Residência pareciam satisfeitas com o clima mais fresco e o velho jardineiro como sempre, ficava de olho para que tudo estivesse em devida ordem. Ninguém havia notado que o portão do casarão fora aberto e que um homem saíra da propriedade, caminhando de modo apressado. Com certeza havia um compromisso importantíssimo para tratar com alguém com muito sigilo.

Por sorte o homem conseguiu caminhar durante toda a Rua da Calamidade sem nenhuma preocupação, contudo, ao dobrar a esquina e seguir pela Rua Nebulosa um grupo de senhoras desviaram os olhos curiosos da vitrine de um brechó para observá-lo. Ele apenas continuou caminhando, sem ao menos dar atenção às mulheres. Por uns vinte minutos ele seguiu, atravessando quase todo o centro de Green Mountain até chegar em uma rua muito distante de seu casarão. As casas, todas iguais, estavam com as janelas semi-abertas por causa do ventinho sul que batia naquela região.

O homem finalmente parou, e meteu uma das mãos dentro do paletó e retirou um envelope pardo, sem nada escrito por fora, porém, era grosso demais para ser uma carta de despedida ou até mesmo um convite para uma festa. Andou por mais uns cinco minutos até parar em frente a uma das pequenas casas, ir a direção à porta e tocar a campainha.

A porta quase fora arrancada do lugar ao ser aberta e um garoto quase da mesma altura que o homem recém chegado, vestindo um sobretudo um tanto velho e com a aparência de quem acabara de ser interrompido de um sono muito bom.

- O que você faz aqui tão cedo? – a voz do garoto saiu arrastada. Abriu espaço para o senhor entrar e fechou a porta rapidamente.

Foi difícil encontrar um lugar para se sentar, tal era a bagunça e desordem do quarto-sala que o homem acabar de entrar. Por fim ele se acomodou em uma cadeira velha que estava coberta por roupas sujas.

- E então? – o garoto abriu a geladeira e pegou uma garrafa de cerveja e a abriu com as próprias mãos. – Não vai responder a minha pergunta?

- Já falei que não quero vê-lo bebendo esse tipo de coisa filho...

- E quantas vezes eu já lhe falei – largou a garrafa sobre a mesa apodrecida -, que não gosto que você me chame de filho, Hélvio?

Os dois ficaram se encarando durante um bom tempo. O garoto hesitou em pedir desculpas, mas Hélvio falou na sua frente.

- Vim saber se aquelas “coisas” ainda andam atrás de você, Harvey.

Hesitou novamente antes de responder, talvez porque o homem dissera seu nome, coisa que nunca fizera antes.

- Eles não descansarão até conseguirem me capturar – Harvey pôs a garrafa novamente dentro da geladeira e pegou uma outra cadeira para se sentar. – Fiz o que o senhor me pediu. Saio somente para levar o lixo para fora e me recolho para dentro.

- Não é fácil, não é? – Hélvio perguntou, seus olhos fixos no garoto ao seu lado. – Por sorte não encontrei nenhum deles enquanto vinha para cá a não ser um grupo de senhoras que moram na mesma rua que eu. Já que seu irmão estava dormindo eu...

Harvey derrubou um copo encardido que estava em cima da mesa que se espatifou no chão.

- EU – NÃO – TENHO – IRMÃO!

- Deixei escapar, me desculpe – Hélvio levantou-se e foi em direção a janela entreaberta. – As coisas podem piorar a qualquer momento Harvey, já que o seu aniversário está se aproximando.

O garoto parou de juntar os cacos de vidro do chão e olhou para o seu pai.

- E...?

- Eu já lhe expliquei várias vezes que eles virão buscá-lo e o levarão a ela.

Hélvio destravou a janela e a fechou completamente, fechando também todo o cortinado. Foi em direção à porta e a trancou, tirando a chave e colocando-a em cima da geladeira.

- Há alguns anos, antes de você nascer, eu havia feito um acordo, recorda? Só que eu menti durante todos esses anos para minha esposa e meus filhos. Na verdade nenhum dos dois sabe da sua existência então não faz diferença alguma. Mas era para eu ter entregado você para o lado escuro da nossa terra, porém eu não cumpri a promessa e é por isso que estão atrás de você.

- Me levar para onde, os Jardins...?

- Isso – Hélvio falava quase que num sussurro. – Fevereiro passa muito rápido e março logo estará aí. É quando terei certeza absoluta de que virão te capturar.

Harvey se levantou com os cacos de vidro do copo e colocou tudo em uma sacola antes de levar até a lixeira.

- Então, talvez seja melhor eu me mudar para um outro lugar, sei lá. – voltou sua atenção para Hélvio que prestava atenção em qualquer ruído. – Sua casa não é enorme?

- Não há necessidade – Hélvio falou e percebeu um ar de desapontamento em Harvey. – Esta casa é vigiada vinte e quatro horas por gente igual a nós, só que temos que ter mais cuidado com os inimigos. Por fim, não se preocupe. Nada irá acontecer com você fi... digo, Harvey.

O garoto não falou nada. Apenas abriu um meio sorriso pelo canto da boca que foi despercebido. Depois disso, pegou uma cadeira e colocou-a próximo a Hélvio e sentou-se nela.

- E o prefeito da cidade, o que falou? – perguntou ele, fazendo sinal para o homem sentar-se na cadeira ao lado.

- Bem, ele não quer mandar mais seguranças para cá desde o último massacre que felizmente foi abafado – Hélvio respondeu levando as mãos à cabeça, lembrando-se do acontecido. – Foi algo tão... desumano mutilar os corpos de doze homens que vigiam essa área. Não, não, o prefeito Skipper disse que quer ficar por fora disso, pois já tem seus dois filhos para cuidar.

- Prefiro não lembrar daquele dia – Harvey fez uma careta estranha. – Naquele dia eu pude ouvir eles falando que estão recrutando um número enorme de pessoas como nós para se tornarem iguais a eles. Disseram que há dois deles em Subúrbio e mais uns quatro no centro de Green Mountain.

Hélvio não desgrudava os olhos da porta.

- Você acha que essas pessoas já foram capturadas, Hélvio?

- Eu não sei – ele levantou-se novamente e caminhou em direção a porta. – O que devemos fazer é esperar o sinal dos guardiões para transferi-lo daqui o mais rápido possível. Está na hora de eu ir andando, tenho uma outra visita para fazer.

- Quem?

- Alguém que tomará conta do seu... de meu filho, para que o direcione no caminho certo – Hélvio disse calmamente, quase deixando a palavra “irmão” escapar de sua boca.

Harvey o seguiu até porta, pegou a chave sobre a geladeira e a destrancou, para que Hélvio saísse.

- Tem certeza de que tudo ficará bem? – agora era o garoto que parecia estar preocupado.

- Confie em mim filho – Hélvio respondeu, levando uma de suas mãos na cabeleira arrepiada do garoto, que não fez objeção alguma à simples menção da palavra “filho”. – Farei o possível e o impossível para que nada de ruim lhe aconteça. Escreva-me quando março chegar.

E dizendo isso ele seguiu caminho, passando por todas aquelas casinhas geminadas, e Harvey fechou a porta sem fazer barulho algum, deixando a rua novamente vazia como sempre esteve àquela manhã.

Tudo estava perfeito até então em Green Mountain. Hélvio sequer recebera uma carta de Harvey até os dez primeiros dias de março e isso o deixou muito preocupado. A casa em frente à Residência Sullivan finalmente havia sido vendida, porém nenhum novo morador aparecera até então. Uma outra manhã ensolarada do terceiro mês do ano chegou e está na hora de entrarmos na casa de Hélvio Sullivan, que com certeza deve estar acordando neste exato momento. Mas não é aí que tudo começa realmente. Iniciaremos nossa jornada pelo sótão, onde alguém muito diferente também parece estar despertando.